Não é difícil olhar para o lado (ou para dentro) e perceber que a responsabilidade com a Família ainda gira ao redor, essencialmente, da mulher. É ela que se faz quase onipresente para conciliar o trabalho, a maternidade, os cuidados com o lar e tudo mais que possa surgir nesse cotidiano tão corrido.
Mas afinal de contas, é possível resolver essa equação?
Não acredito que exista uma fórmula mágica. Contudo, talvez o primeiro passo, dos muitos que ainda devem ser dados, seja pensar no equilíbrio de responsabilidades e compromissos entre as funções de cuidado e atenção que envolvem a maternidade e a paternidade.
Aliás, do ponto de vista do Direito, as responsabilidades já são divididas. Tanto é assim que a legislação foi alterada com a finalidade de tornar esse equilíbrio real por meio da guarda compartilhada que passou a ser a regra nas ações de Família.
Nesse ponto, cabe observar a lição de Maria Berenice Dias (2020, v. 18, p. 380), excelente doutrinadora e entusiasta do Direito das Famílias, especialmente quando o assunto é a guarda compartilhada:
“É necessária a mudança de alguns paradigmas, levando-se em conta a necessidade de compartilhamento entre os genitores da responsabilidade parental e das atividades cotidianas de cuidado, afeto e normas que ela implica”.
Como muito bem dito acima, o objetivo dessa modalidade é garantir a divisão das responsabilidades e o pleno desenvolvimento do filho com a superação de questões históricas que tratam o cuidado familiar como uma tarefa exclusivamente feminina.
Ocorre que, como sabemos, as singelas e esporádicas visitas não são suficientes para educar, desenvolver e criar laços com o filho. Não basta levar a criança para um passeio no parque ou aparecer nas fotos dos aniversários que são expostas nas redes sociais. A responsabilidade somente pode ser alcançada com a convivência. É o dia a dia que permitirá, aos poucos, criar o elo de segurança, confiança e afeto.
Sendo assim, além do compartilhamento das decisões e tarefas cotidianas, é necessário elaborar o plano de convivência para ter certeza que ambos os pais estarão presentes na vida do filho. Neste mesmo sentido e não menos importante, devemos considerar que a habitualidade do convívio também traduz o direito do filho de estabelecer vínculos com as suas origens paterna e materna.
A verdade é que não existe receita de bolo para o plano de convivência, mas alguns pontos podem ser alinhados.
Por exemplo, não se exige uma divisão matemática do tempo de convívio com cada um dos pais. Trata-se de olhar para a realidade familiar e enxergar a melhor alternativa com foco, por óbvio, no bem-estar da criança ou do adolescente.
O desafio é analisar a forma mais satisfatória e factível de conjugar a vida do filho com a de ambos os pais e, se for necessário, fazer os devidos ajustes até que esse denominador comum seja conquistado.
Um exemplo prático é deixar combinado como funcionarão os períodos de férias escolares, feriados, finais de semana e demais datas comemorativas que geralmente são mais conflituosas. Além disso, também é necessário deixar estabelecido como será administrada a rotina do filho ao longo dos dias úteis. Dessa forma, a Família conta com a previsibilidade como um fator de transparência e preparação para o recebimento do filho.
É um trabalho minucioso que demanda empenho e diálogo entre todos os envolvidos, ou seja, dos pais e de todos os profissionais atuantes no processo judicial.
Caso a conversa entre as partes seja combativa ou de difícil entendimento, é possível utilizar a Mediação como estratégia para alcançar o resultado desejado. Os Tribunais contam com o auxílio especializado e competente de Mediadores que são aptos a compreender as nuances dos casos e trabalhar em conjunto para que o acordo seja auferido.
O procedimento da Mediação é uma alternativa para solução dos conflitos de forma geral, mas é peculiarmente indicado para os casos que rondam as questões familiares em razão da relação continuada entre as partes e o viés pessoal das ações judiciais. Trata-se de um terceiro imparcial que estimula o diálogo e a reflexão das partes com técnica apurada.
De toda forma, a participação da Família e do braço estatal com a finalidade de garantir o pleno desenvolvimento do filho está presente no Estatuto da Criança e do Adolescente para que não haja qualquer dúvida:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Portanto, não há questionamentos, do ponto de vista jurídico, acerca dos direitos e deveres de ambos os pais, especialmente quando o assunto é assegurar o completo e sadio crescimento dos seus filhos.
A despeito do exposto, o que se observa rotineiramente ainda é o desconhecimento da legislação e a priorização da mulher para o cumprimento de tal responsabilidade.
Contudo, como se sabe, o singelo e frio pagamento de alimentos (pensão alimentícia) em favor da criança ou do adolescente não é, assim como jamais será, postura suficiente para qualquer integrante do núcleo familiar. É necessário fazer muito mais e também que se cobre muito mais.
Neste sentido, ventos renovados surgem a cada dia com o propósito de garantir maior acesso à informação e aos meios de exercer, na prática, todas as possibilidades e direitos que existam ou que ainda serão conquistados para a efetiva convivência familiar.
Não podemos fechar os olhos ou esquecer que é dever de todos buscar constantemente a transformação social necessária para que a rede de apoio composta pela Família (materna e paterna) seja assegurada em favor das crianças e dos adolescentes.
Por Carolina Duarte, inscrita na OAB/RJ n.º 196.540.
Carolina Duarte é advogada, atuante no ramo do Direito das Famílias, graduada pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ) e pós-graduada pela PUC-Rio. Além disso, também é integrante do IBDFAM e fundadora do Duarte Souza Advocacia.
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