Constituição de 1988 (art. 5º): Todos
são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: I – homens E
mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta
Constituição.
No mês de março – data do dia 08, oficialmente celebrada, desde 1911, inclusive reconhecida pelas Nações Unidas, para celebração do movimento das mulheres -, fôssemos fazer uma evolução histórica acerca da situação jurídica da mulher no Brasil, temos alguns importantes marcos, emergentes, quer por legislação, quer por decisões das Instâncias Superiores, para construção dos direitos advindos da diversidade de gênero.
No ano de 2015, por exemplo, entrou em vigor a Lei 13.104, de 9 de março, para inclusão do FEMINICÍDIO na tipificação de homicídio qualificado, portanto, no ROL DOS CRIMES HEDIONDOS, não somente elencando violência doméstica e familiar, mas o MENOSPREZO OU DISCRIMINAÇÃO À CONDIÇÃO DE MULHER.
Recentemente, na sessão virtual de 12 de março de 2021, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PROIBIU A UTILIZAÇÃO DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA, por unanimidade, ATESTANDO A INCONSTITUCIONALIDADE da mesma, por VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, IGUALDADE DE GÊNERO E DA PROTEÇÃO À VIDA, referendando a liminar concedida pelo Ministro DIAS TOFFOLI, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779.
E, tal se deu, portanto, diante da INSISTÊNCIA DO “RANÇO MACHISTA“ (expressão dos julgadores) quando, há muito, o tipo de tese danosa já vinha sendo afastada em recursos extremos, mas insistentemente utilizada por alguns agressores e seus patronos, conforme podemos coletar das razões de decisão de um Recurso Especial, com decisão clara para afastar a aplicabilidade de teses esdrúxulas em casos de feminicídio, pelo ilustre Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ:
Por fim, cumpre-me esclarecer ao agravante, ainda que em
obiter dictum, que, desde 1991, pelo menos, a tese de
legítima defesa da honra é refutada, com veemência, por
esta Corte Superior como fundamento válido à absolvição
dos uxoricidas (RESp n. 1517/PR, Rel. Ministro José
Candido de Carvalho Filho, 6ª T., DJ 15/4/1991). Embora
seja livre a tribuna e desimpedido o uso de argumentos
defensivos, surpreende saber que ainda se postula, em pleno
ano de 2019, a absolvição sumária de quem retira a vida da
companheira por, supostamente, ter sua honra ferida pelo
comportamento da vítima. Em um país que registrou, em
2018, a quantidade de 1.206 mulheres vítimas de
feminicídio, soa no mínimo anacrônico alguém ainda
sustentar a possibilidade de que se mate uma mulher em
nome da honra do seu consorte. Não vivemos mais períodos
de triste memória, em que réus eram absolvidos em
Plenários do Tribunal do Júri com esse tipo de
argumentação. Surpreende ver ainda essa tese sustentada
por profissional do Direito em uma Corte Superior, como
se a decisão judicial que afastou tão esdrúxula tese fosse
contrária à lei penal. Como pretender lícito, ou conforme ao
Direito, o comportamento de ceifar, covardemente – a
acusação foi a de que o acusado esganou a vítima até ela
morrer -, a vida da companheira simplesmente porque ela
dançou com outro homem e porque desejava romper o
relacionamento? (Fonte STJ. 12.11.2019)
Portanto, o que é ÓBVIO, no BRASIL ainda precisa ser JULGADO, REITERADAMENTE. O QUE JÁ ESTÁ LEGALMENTE INSTITUÍDO, POR FORÇA DE LEI, PRECISA SER REPETIDO, ATÉ QUE FIQUE EXPRESSAMENTE VEDADO NO COTIDIANO!
E a reflexão desse breve artigo é não somente acerca de todo esse (doloroso e humilhante) movimento de enfrentamento à OPRESSÃO SEXISTA, do LONGO TEMPO que sempre é necessário até a formação das legislações ou validação do que é ululante e já previsto, por decisões efetivamente INCLUSIVAS E PROTETIVAS dos direitos das mulheres.
Um pouco além de tais extensas (e vexatórias) abordagens e das etapas nos processos, judiciais ou não, de formatação de tais dispositivos – em geral, somente validados após VIOLÊNCIAS GRAVÍSSIMAS – abordamos o caso da LEI MARIA DA PENHA para que relembremos ou saibamos (porque que muitas e muitos de nós desconhecem) que a LEGISLAÇÃO SOMENTE SURGIU APÓS PRESSÕES INTERNACIONAIS, EXIGÊNCIAS AO BRASIL.
Em outras palavras, a LEI MARIA DA PENHA é consequência de um PROCESSO INTERNACIONAL PELA OMISSÃO DO ESTADO BRASILEIRO. Uma LEI QUE FOI CRIADA POR FORÇA DE UMA FORMA DE PUNIÇÃO INTERNACIONAL, EXIGINDO E OBRIGANDO A AÇÃO ESTATAL.
Em resumo, diante do Judiciário Brasileiro moroso, aquela mulher, vítima de gravíssima violência doméstica, teve que buscar a JUSTIÇA INTERNACIONAL – no ano de 1998, com o amparo do CENTRO PARA A JUSTIÇA E O DIREITO INTERNACIONAL (CEJIL) e o COMITE LATINO AMERICANO E DO CARIBE PARA A DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER (CLADEM), através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA) – e, por tal coragem, solidariedade e insistência, somente após a MAIORIDADE do crime (DEZOITO ANOS DEPOIS), em 2001 – a Organização dos Estados Americanos (OEA), REPONSABILIZOU O BRASIL, por NEGLIGÊNCIA E OMISSÃO diante da VIOLÊNCIA DOMÉSTICA,
RECOMENDANDO MEDIDAS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INIBIR E PUNIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Ou seja, mesmo diante do litígio internacionalizado, das GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS E DEVERES HUMANOS, COM PACTOS SOB A SUA ASSINATURA (dentre os quais, SAN JOSÉ DA COSTA RICA e CONVENÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO DA MULHER), é importante relembrarmos que o ESTADO BRASILEIRO FICOU SILENTE (OMISSO) DURANTE TODO O PROCESSO.
Relembremos que MARIA DA PENHA FICOU PARAPLÉGICA, NO AUGE DE SUA VIDA PRODUTIVA, AOS 38 ANOS, POR TIROS DE ESPINGARDA NAS COSTAS, DISPARADOS POR SEU COMPANHEIRO, ENQUANTO A MULHER DORMIA. O HOMEM, APESAR DE CONDENADO, PERMANECEU EM LIBERDADE APÓS 15 (QUINZE) ANOS, POR INSISTENTES RECURSOS CONTRA A DECISÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI.
COMPANHEIRO que, DEPOIS DA VOLTA DA MULHER PARAPLÉGICA PARA CASA (APÓS DUAS CIRURGIAS), CONTINUOU INCESSANTE NA VIOLÊNCIA, NA TORTURA, POR VÁRIOS E SUCESSIVOS MODOS, MANTENDO A VÍTIMA EM CÁRCERE PRIVADO E, INCLUSIVE, ELETROCUTANDO-A DURANTE O BANHO.
Assim, a VERDADE É QUE A LEI MARIA DA PENHA, que tomou o número 11.340 e passou a vigorar em 07 de agosto de 2006 (sancionada pelo então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, não em março, mas, ironicamente, no mês ‘dos pais’), decorreu da AÇÃO INTERNACIONAL para COMBATE AO MACHISMO ESTRUTURAL NO NOSSO PAÍS, INATIVO MESMO DIANTE DE TANTAS MORTES.
Precisamos, portanto, deixar bem VIVA a NOSSA MEMÓRIA HISTÓRICA, 20 anos depois, CONSCIENTES DE QUE SE, DE UM LADO, A JUSTIÇA INTERNACIONAL NOS TROUXE A POSSIBILIDADE LEGAL PARA OUTRAS ‘PENHAS’, DE OUTRO, É IMPORTANTE A LIÇÃO PARA QUE POSSAMOS EVOLUIR, SEM NECESSITAR DE NOVAS ATUAÇÕES PROTETIVAS EXTERNAS, PRODUZINDO AÇÕES IMEDIATAS SEMPRE QUE OS DIREITOS DAS MULHERES FOREM AMEAÇADOS e/ou VIOLADOS.
A exemplificar, o doloroso caso influencer digital´, MARIANA FERRER que, além de sofrer ‘REVITIMIZAÇÃO’ EM PLENA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO, via internet, teve novas exposições e humilhações por acusações de profissionais do caso, dentro do Sistema de Justiça. Felizmente, já tramita, em consequência, projeto de lei para PUNIR QUEM CONSTRANGER VÍTIMAS E TESTEMUNHAS DE CRIMES DURANTE AUDIÊNCIAS E JULGAMENTOS.
Finalmente, é importante salientar que, mais de 15 (quinze) ANOS APÓS A LEI MARIA DA PENHA EM VIGOR, MUITAS DE NÓS, INCLUSIVE DA BRANQUITUDE ELITE (nicho que teve redução estatística após a vigência legal), como a Juíza Viviane Vieira do Amaral, ainda SOFREM VIOLÊNCIAS DE TODOS OS TIPOS E CONTINUAM VÍTIMAS FATAIS DA MISOGINIA, FRUTO DA
AUSÊNCIA DA EFETIVA PROTEÇÃO PREVENTIVA E SUPORTE NO CURSO DAS DENÚNCIAS.
NA PRÁTICA, EM 2020, FORAM 05 (CINCO) FEMINICÍDIOS DIÁRIOS EM TODO O PAÍS. E o ISOLAMENTO SOCIAL, DE MUITOS CONVIVÍOS OBRIGATÓRIOS ININTERRUPTOS COM OS AGRESSORES, ESPECIALMENTE PARA AS PESSOAS DE MENOR PODER AQUISITIVO E NEGRAS, traz muitos desdobramentos, matérias para nossos próximos encontros!
Christiane D’Elia : Advogada e Consteladora. Pós graduada em Direito Desportivo e Graduanda em Direitos Humanos e Cidadania. Mestranda em Ciências das Atividades Físicas. Pres. 3- Com. FUTSAL, Vice Pres. Auditora do STJD auto, Aud. 2- Com. FutRJ, Auditora do STJD Tênis e Vela. Mãe e tutora.