LEI MARIA DA PENHA – DUAS DÉCADAS DEPOIS DO BRASIL SER RESPONSABILIZADO POR NEGLIGÊNCIA E OMISSÃO

Por Christiane D'Elia

Constituição de 1988 (art. 5º): Todos  

são iguais perante a lei, sem distinção  

de qualquer natureza, garantindo-se  

aos brasileiros e aos estrangeiros  

residentes no País a inviolabilidade do  

direito à vida, à liberdade, à igualdade,  

à segurança e à propriedade, nos  

termos seguintes: I – homens E  

mulheres são iguais em direitos e  

obrigações, nos termos desta  

Constituição. 

 

No mês de março – data do dia 08, oficialmente celebrada, desde 1911, inclusive  reconhecida pelas Nações Unidas, para celebração do movimento das mulheres -,  fôssemos fazer uma evolução histórica acerca da situação jurídica da mulher no Brasil,  temos alguns importantes marcos, emergentes, quer por legislação, quer por decisões das  Instâncias Superiores, para construção dos direitos advindos da diversidade de gênero. 

No ano de 2015, por exemplo, entrou em vigor a Lei 13.104, de 9 de março, para inclusão  do FEMINICÍDIO na tipificação de homicídio qualificado, portanto, no ROL DOS  CRIMES HEDIONDOS, não somente elencando violência doméstica e familiar, mas o  MENOSPREZO OU DISCRIMINAÇÃO À CONDIÇÃO DE MULHER

Recentemente, na sessão virtual de 12 de março de 2021, o SUPREMO TRIBUNAL  FEDERAL PROIBIU A UTILIZAÇÃO DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA DA  HONRA, por unanimidade, ATESTANDO A INCONSTITUCIONALIDADE da  mesma, por VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA  HUMANA, IGUALDADE DE GÊNERO E DA PROTEÇÃO À VIDA, referendando a  liminar concedida pelo Ministro DIAS TOFFOLI, na Arguição de Descumprimento de  Preceito Fundamental (ADPF) 779. 

E, tal se deu, portanto, diante da INSISTÊNCIA DO “RANÇO MACHISTA“ (expressão  dos julgadores) quando, há muito, o tipo de tese danosa já vinha sendo afastada em  recursos extremos, mas insistentemente utilizada por alguns agressores e seus patronos, conforme podemos coletar das razões de decisão de um Recurso Especial, com decisão clara para afastar a aplicabilidade de teses esdrúxulas em casos de feminicídio, pelo ilustre  Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ: 

 

Por fim, cumpre-me esclarecer ao agravante, ainda que em  

obiter dictum, que, desde 1991, pelo menos, a tese de  

legítima defesa da honra é refutada, com veemência, por  

esta Corte Superior como fundamento válido à absolvição  

dos uxoricidas (RESp n. 1517/PR, Rel. Ministro José  

Candido de Carvalho Filho, 6ª T., DJ 15/4/1991). Embora  

seja livre a tribuna e desimpedido o uso de argumentos  

defensivos, surpreende saber que ainda se postula, em pleno  

ano de 2019, a absolvição sumária de quem retira a vida da 

companheira por, supostamente, ter sua honra ferida pelo  

comportamento da vítima. Em um país que registrou, em  

2018, a quantidade de 1.206 mulheres vítimas de  

feminicídio, soa no mínimo anacrônico alguém ainda  

sustentar a possibilidade de que se mate uma mulher em  

nome da honra do seu consorte. Não vivemos mais períodos  

de triste memória, em que réus eram absolvidos em  

Plenários do Tribunal do Júri com esse tipo de  

argumentação. Surpreende ver ainda essa tese sustentada  

por profissional do Direito em uma Corte Superior, como  

se a decisão judicial que afastou tão esdrúxula tese fosse  

contrária à lei penal. Como pretender lícito, ou conforme ao  

Direito, o comportamento de ceifar, covardemente – a  

acusação foi a de que o acusado esganou a vítima até ela  

morrer -, a vida da companheira simplesmente porque ela  

dançou com outro homem e porque desejava romper o  

relacionamento? (Fonte STJ. 12.11.2019) 

 

 Portanto, o que é ÓBVIO, no BRASIL ainda precisa ser JULGADO,  REITERADAMENTE. O QUE JÁ ESTÁ LEGALMENTE INSTITUÍDO, POR  FORÇA DE LEI, PRECISA SER REPETIDO, ATÉ QUE FIQUE EXPRESSAMENTE  VEDADO NO COTIDIANO! 

 E a reflexão desse breve artigo é não somente acerca de todo esse (doloroso e humilhante) movimento de enfrentamento à OPRESSÃO SEXISTA, do  LONGO TEMPO que sempre é necessário até a formação das legislações ou validação  do que é ululante e já previsto, por decisões efetivamente INCLUSIVAS E  PROTETIVAS dos direitos das mulheres.  

 Um pouco além de tais extensas (e vexatórias) abordagens e das etapas nos processos, judiciais ou não, de formatação de tais dispositivos – em geral, somente  validados após VIOLÊNCIAS GRAVÍSSIMAS – abordamos o caso da LEI MARIA DA  PENHA para que relembremos ou saibamos (porque que muitas e muitos de nós  desconhecem) que a LEGISLAÇÃO SOMENTE SURGIU APÓS PRESSÕES  INTERNACIONAIS, EXIGÊNCIAS AO BRASIL. 

 Em outras palavras, a LEI MARIA DA PENHA é consequência de um  PROCESSO INTERNACIONAL PELA OMISSÃO DO ESTADO BRASILEIRO.  Uma LEI QUE FOI CRIADA POR FORÇA DE UMA FORMA DE PUNIÇÃO  INTERNACIONAL, EXIGINDO E OBRIGANDO A AÇÃO ESTATAL. 

 Em resumo, diante do Judiciário Brasileiro moroso, aquela mulher, vítima  de gravíssima violência doméstica, teve que buscar a JUSTIÇA INTERNACIONAL – no  ano de 1998, com o amparo do CENTRO PARA A JUSTIÇA E O DIREITO  INTERNACIONAL (CEJIL) e o COMITE LATINO AMERICANO E DO CARIBE  PARA A DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER (CLADEM), através da Comissão  Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA) – e, por tal coragem, solidariedade e  insistência, somente após a MAIORIDADE do crime (DEZOITO ANOS DEPOIS), em  2001 – a Organização dos Estados Americanos (OEA), REPONSABILIZOU O BRASIL,  por NEGLIGÊNCIA E OMISSÃO diante da VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, 

RECOMENDANDO MEDIDAS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INIBIR E  PUNIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 

Ou seja, mesmo diante do litígio internacionalizado, das GRAVES  VIOLAÇÕES DOS DIREITOS E DEVERES HUMANOS, COM PACTOS SOB A SUA  ASSINATURA (dentre os quais, SAN JOSÉ DA COSTA RICA e CONVENÇÃO DE  TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO DA MULHER), é importante  relembrarmos que o ESTADO BRASILEIRO FICOU SILENTE (OMISSO) DURANTE  TODO O PROCESSO. 

 Relembremos que MARIA DA PENHA FICOU PARAPLÉGICA, NO  AUGE DE SUA VIDA PRODUTIVA, AOS 38 ANOS, POR TIROS DE ESPINGARDA NAS COSTAS, DISPARADOS POR SEU COMPANHEIRO, ENQUANTO A  MULHER DORMIA. O HOMEM, APESAR DE CONDENADO, PERMANECEU EM  LIBERDADE APÓS 15 (QUINZE) ANOS, POR INSISTENTES RECURSOS  CONTRA A DECISÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. 

COMPANHEIRO que, DEPOIS DA VOLTA DA MULHER  PARAPLÉGICA PARA CASA (APÓS DUAS CIRURGIAS), CONTINUOU  INCESSANTE NA VIOLÊNCIA, NA TORTURA, POR VÁRIOS E SUCESSIVOS  MODOS, MANTENDO A VÍTIMA EM CÁRCERE PRIVADO E, INCLUSIVE,  ELETROCUTANDO-A DURANTE O BANHO. 

 Assim, a VERDADE É QUE A LEI MARIA DA PENHA, que tomou o  número 11.340 e passou a vigorar em 07 de agosto de 2006 (sancionada pelo então  Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, não em março, mas, ironicamente, no  mês ‘dos pais’), decorreu da AÇÃO INTERNACIONAL para COMBATE AO  MACHISMO ESTRUTURAL NO NOSSO PAÍS, INATIVO MESMO DIANTE DE  TANTAS MORTES. 

Precisamos, portanto, deixar bem VIVA a NOSSA MEMÓRIA  HISTÓRICA, 20 anos depois, CONSCIENTES DE QUE SE, DE UM LADO, A  JUSTIÇA INTERNACIONAL NOS TROUXE A POSSIBILIDADE LEGAL PARA  OUTRAS ‘PENHAS’, DE OUTRO, É IMPORTANTE A LIÇÃO PARA QUE  POSSAMOS EVOLUIR, SEM NECESSITAR DE NOVAS ATUAÇÕES  PROTETIVAS EXTERNAS, PRODUZINDO AÇÕES IMEDIATAS SEMPRE QUE OS  DIREITOS DAS MULHERES FOREM AMEAÇADOS e/ou VIOLADOS.  

 A exemplificar, o doloroso caso influencer digital´, MARIANA FERRER  que, além de sofrer ‘REVITIMIZAÇÃO’ EM PLENA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO,  via internet, teve novas exposições e humilhações por acusações de profissionais do caso,  dentro do Sistema de Justiça. Felizmente, já tramita, em consequência, projeto de lei para  PUNIR QUEM CONSTRANGER VÍTIMAS E TESTEMUNHAS DE CRIMES  DURANTE AUDIÊNCIAS E JULGAMENTOS. 

 Finalmente, é importante salientar que, mais de 15 (quinze) ANOS APÓS  A LEI MARIA DA PENHA EM VIGOR, MUITAS DE NÓS, INCLUSIVE DA  BRANQUITUDE ELITE (nicho que teve redução estatística após a vigência legal), como  a Juíza Viviane Vieira do Amaral, ainda SOFREM VIOLÊNCIAS DE TODOS OS  TIPOS E CONTINUAM VÍTIMAS FATAIS DA MISOGINIA, FRUTO DA 

AUSÊNCIA DA EFETIVA PROTEÇÃO PREVENTIVA E SUPORTE NO CURSO  DAS DENÚNCIAS. 

 NA PRÁTICA, EM 2020, FORAM 05 (CINCO) FEMINICÍDIOS  DIÁRIOS EM TODO O PAÍS. E o ISOLAMENTO SOCIAL, DE MUITOS  CONVIVÍOS OBRIGATÓRIOS ININTERRUPTOS COM OS AGRESSORES,  ESPECIALMENTE PARA AS PESSOAS DE MENOR PODER AQUISITIVO E  NEGRAS, traz muitos desdobramentos, matérias para nossos próximos encontros!

 

 

Christiane D’Elia : Advogada e Consteladora. Pós graduada em Direito Desportivo e Graduanda em Direitos Humanos e Cidadania. Mestranda em Ciências das Atividades Físicas. Pres. 3- Com. FUTSAL, Vice Pres. Auditora do STJD auto, Aud. 2- Com. FutRJ, Auditora do STJD Tênis e Vela. Mãe e tutora.

Christiane D'Elia

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