SIMONE DE BEAUVOIR E O FEMININO

Por Gilda Maria

Simone de Beauvoir nascida no ano de 1908 e faleceu em 1986 aos 76 anos de pneumonia, filósofa, romancista e companheira também do filósofo existencialista Jean Paul Sartre, marcou presença dentre os grandes pensadores do séc XX, imortalizando-se principalmente pelos seus ideais sobre a condição feminina. Sem dúvida alguma que sua grande contribuição foi no campo dos estudos sobre o feminismo na luta pela igualdade de gênero.

Muito jovem tornou-se ateia, opondo-se a toda e qualquer ideologia religiosa, desenvolvendo suas teses sobre a liberdade e a autonomia dos indivíduos, particularmente das mulheres. Na Universidade de Paris juntou-se com Merlou-Ponti e Sartre, fundando a revista Les Temps Modernes, considerada imprópria à moral e os bons costumes da época.

Em 1949, publicou o livro O segundo sexo, seu mais célebre livro oriundo de conversas com Sartre, a partir de uma pergunta que ele lhe faz: O que significa ser mulher para você? Ela então, responde essa pergunta bem freudiana escrevendo O segundo sexo. Nele, Simone também discorre sobre o papel da mulher na sociedade e a, defesa da liberalização do aborto, a homossexualidade feminina, denunciando a violência das relações entre os gêneros. Pôs por terra o mito de que os instintos maternos, da feminilidade e da maternidade eram regidos por um desejo próprio às mulheres. Foi amplamente criticada por vários setores da sociedade francesa, até mesmo pelo Vaticano que considerou um livro lascivo e foi proibido a venda. Tal escândalo rendeu a Simone, os louros da venda de mais de 22 mil exemplares – ficou rica e famosa com esse livro, O segundo sexo.

Foi uma revolucionária e a primeira feminista a justificar suas posições por meio de teses filosóficas e interpretações históricas. Nestas teses, a escritora revela que a desigualdade entre homens e mulheres foi histórica e ideologicamente construída. Beauvoir não isenta de responsabilidade a própria mulher. Para ela, homens e mulheres construíram essa realidade. Os homens por serem machistas e as mulheres por sua submissão voluntária. Ela indaga: “De onde vem essa submissão na mulher?”.

Em O segundo sexo, Simone diz a frase célebre: A mulher não nasce mulher, torna-se mulher.

Tem um passo a mais para se tornar mulher na visão da autora. Outra escritora francesa, Julia Kristeva, que é psicanalista lançou um livro intitulado Beauvoir presente, retificando esta frase: Nós nascemos mulheres, mas eu me torno mulher. O tornar-se mulher como algo dessa ordem do retornar-se a fase pré edípica, ou seja, a fase anterior ao édipo, própria da relação mãe-filha. Freud chamava de catastrófica e Lacan de devastação a relação mãe-filha.

É de uma sideração traumática e sem palavras, própria de uma posição solitária e sem nomeação possível o lugar do feminino. Trata-se de um paradoxo, ou seja, para tornar-se é necessário retornar para a posição de objeto de gozo da mãe para se separar e poder se tornar sujeito do desejo, que exige uma trajetória importante em direção ao feminino e não é nada fácil, pois quanto mais alienada nesses significantes do Outro materno, mais devastada como objeto e não como sujeito da própria história. Beauvoir foi severamente atacada quando lançou seu livro em 1949 – “Insatisfeita, fria, ninfomaníaca, lésbica, a mulher que fez mais de 100 abortos”. O escritor Alberto Camus achou o livro grotesco, acusando-a de fazer o homem francês parecer ridículo. O que fizeram foi tentar devastá-la como sujeito do desejo e da história de uma mulher a frente do seu tempo.  Simone ultrapassou a ancoragem do sentido da espaçosa subjetividade de sua época, em que a mulher facilmente se calava e se amordaçava para desconstruir verdades ancoradas num machismo estrutural.  Tal qual uma esfinge nunca decifrada, a mulher encarna o enigma para todo sujeito e para ela mesma, que como sujeito dividido também não tem acesso ao próprio mistério (continente negro) e sem se perceber vai abrindo mão de algo precioso que é sua liberdade de expressão. Beauvoir resignificou toda sua história escrevendo.

Sartre no livro “As Palavras”, sentia a urgência de olhar para sua infância, era para explorar o que agora enxergava como sua “neurose”. Aplicando a si mesmo o método que chamava de “psicanálise existencial” demonstrava que usava sua liberdade para se rebelar contra sua família e que pretendia confiná-la ao mundo protegido das ilusões burguesas. Em sua visão, mesmo tendo ele rejeitado a religião, suas raízes sugavam suas crenças e o que ele fez foi substituir uma cegueira por outra. Substituiu a religião pela literatura. A narrativa em que Sartre expressava sua profunda desilusão com a literatura seria sua obra mais bem elaborada. Foi o livro que lhe concedeu o Prêmio Nobel de Literatura. “Só ao apagar todo sentido é que a ex-sistência se define” Lacan RSI (1974).

Oscar Wilde, em A Balada do Cárcere, dirá: “A gente destrói aquilo que mais ama em campo aberto, ou numa emboscada; alguns com a leveza do carinho, outros com a dureza da palavra; os covardes destroem com a espada. Mais a gente destrói aquilo que mais ama”.

Freud refere-se ao feminino nos despertando para Outra cena. Penso que a relação de Simone com Sartre foi esse despertar para ambos, um despertar de algo sobre o insondável de seus seres. Sartre ficou fascinado na adolescência com Madame Bovary (Gustave Flaubert) e ao longo da vida com Beauvoir, será coincidência ou o significante deslizou?

A mulher, através do homem se conecta com ela própria. Sartre parece ter ocupado esse lugar de mentor intelectual, operava um saber sobre Simone que a capturava numa relação de dependência, mas sem dúvida promovia uma fascínio nela não como homem, mas como um parceiro intelectual a conectando com ele próprio. “Um homem dança um tango com uma mulher. Uma mulher dança o tango com ela mesma através do homem como seu conector” Miguel Bassols.

Findo o texto dizendo que Sartre dançou um tango com Simone promovendo essa conexão dela com o feminino nela. No feminino há sempre algo extraviado, extra-via, há sempre um elemento extraviado já que o falo não drena tudo que há numa mulher do pulsional. O homem em função de sua virilidade se organiza mais, já na mulher, o seu gozo pode até enlouquecê-la, sair desvairada, sem rumo. Penso, que a relação amorosa de Simone com Sartre serviu de referência fálica para sustentá-la numa cultura machista, de estrutura, que tanto enfrentou corajosamente, mas que acabou cedendo a uma certa submissão intelectual ao grande Outro, Sartre–mãe.

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*Gilda Maria Pitombo Mesquita Doutoranda em Arte na UERJ, Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Veiga de Almeida , psicóloga pela UFRJ Título de Psicanalista pela Sociedade Iracy Doile, Spid. Coordenou uma pós graduação em psicanálise na Celso Lisboa. Coordenadora do Projeto Interlocuções: Psicanálise, Literatura e Arte, na Cidade das Artes há seis anos, aberto ao público interessado em dialogar e trocar saberes.

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